terça-feira, 17 de março de 2009

O poder transformador de Werinton Kermes


Werinton Kermes é documentarista brasileiro, nascido em Sorocaba. Começou sua carreira profissional como repórter fotográfico onde trabalhou em diversos jornais brasileiros.
Como Stiil de cinema participou dos filmes : "Através da Janela" de Tata Amaral e "Castelo Rá-Tim-Bum" de Cao Ambúrguer .
Como documentarista é vencedor de vários prêmios entre suas realizações esta "João do Vale muita gente desconhece" 2005 , uma Vídeografia do Cantor e Compositor Maranhense , além de "Quem tem medo de Salvadora Lopes " 2000, "Aramar a quem pertence?" 1999, "O Caipira e o rio" 2000, " A Dama da Sétima Arte" 2002 e o mais recente "Povo Marcado" 2007/2008

"Para fazer cultura, só dinheiro não resolve: é preciso motivar uma comunidade a valorizar a cultura que produz. Só assim ela vai cobrar dos governantes investimentos em uma área que geralmente não é prioridade dos governos".
Werinton Kermes, secretário de cultura de Votorantim, conta, nesta entrevista, como essa fórmula ajudou a transformar a capital do cimento em capital cultural.
Foi por intermédio de um jornalista ligado ao teatro, Celso Curi, que Werinton Kermes aproximou-se da gestão pública da cultura: foi ele quem o indicou para dirigir a Oficina Grande Otelo em Sorocaba quando de sua implantação, em 1993. Werinton trocou a carreira de repórter fotográfico e quase uma década de idas e vindas diárias a São Paulo - onde chegou a trabalhar nos jornais Estado e Folha e na revista Isto É - para aceitar o novo desafio. Permaneceu no cargo até 2001, quando foi convidado para ser o diretor cultural da Secretaria de Cultura de Votorantim. Dois anos depois, assumia como secretário, cargo no qual permanece mesmo após a troca de prefeitos no inicio do ano. A cidade hoje é apontada como exemplo de prática de política publica na área da cultura e Werinton transformou sua experiência em livro, Política e Ação Cultural, por uma Gestão de Culturas, tal seu entusiasmo pelo assunto. Ele acredita que até houve uma evolução na forma como os governantes lidam com a cultura no País, mas entende que há ainda um longo caminho a ser percorrido. “Cultura e educação têm que caminhar juntas, até mesmo nas decisões orçamentárias”. Mas cultura, assegura, não é só promoção de shows e eventos. E também não adianta apenas investir dinheiro nisso: “É preciso fazer com que as pessoas entendam que nesse universo do individualismo, do consumo, da vantagem, tem espaço para outras coisas. E o caminho da sensibilidade, da cultura, é que vai fazer diferença na vida delas”. Quando se consegue isso, garante, se ganha um importante aliado na cobrança aos governantes por políticas públicas nesse campo. Para falar sobre seu trabalho como gestor cultural, Werinton recebeu a reportagem da Bianchini.
Tem uma passagem em sua vida que eu queria relembrar: a história de que você chegou a escrever uma carta para o “Porta da Esperança”, do Sílvio Santos, para ganhar uma máquina fotográfica. Quer dizer que seu negócio era fotografia?
Sim, desde criança. Na verdade, eu comecei a perceber que a fotografia podia ser uma forma de expressão logo cedo. Hoje, a tecnologia facilita muito a vida das pessoas, você tem fotografia no celular, é tudo muito fácil. Há mais ou menos uns 35 anos era muito complicado. Meu pai operário, minha mãe dona-de-casa, eles nunca tiveram condições de dar aos filhos essas tecnologias, essas coisas modernas e tal. Uma vez ganhei uma câmera muito simples, pequena e com essa câmera eu comecei a fazer algumas intervenções, algumas fotografias. Eu estudava no Padilha, e nós fomos pra uma excursão no Playcenter. E eu na ingenuidade, caipira aqui de Sorocaba, fui brincar num daqueles brinquedos mais radicais e com medo da máquina cair lá de cima dei ela para um grupo de jovens, que estavam na fila, segurar. Ai que bobinho, ? Brinquei e tal e quando voltei, cadê eles, cadê máquina? Fiquei frustrado, acabado, arrasado. Daí minha mãe teve a idéia: mandou uma carta pro Sílvio Santos. Foi um marco da minha vida! Não podia andar na rua. Eu fui quatro vezes lá pra abrir aquela maldita Porta da Esperança e como eu levava muita foto pra mostrar que era fotógrafo, aquilo chamava a atenção, ilustrava bastante o programa. Cada vez que eu ia, levava uma seção nova de fotos e o Sílvio Santos ia conversando comigo, mostrando as fotos. Numa das vezes em que fui, levei um ensaio fotográfico sobre o antigo Humberto de Campos, quando ali ainda tinha o sistema de internato, e essa exposição possibilitou o reencontro de crianças, que estavam aqui, com a família que não viam há muito tempo. Então, o programa fez muito sucesso e acabei indo quatro vezes até ganhar e nessas idas e vindas foram quase 10 meses. Bacana nessa história também é que os funcionários da Yashica de Sorocaba fizeram uma comissão, sentaram com a diretoria da empresa, sugeriram e foi a Yashica quem me deu um kit profissionalismo, importado da matriz no Japão com máquina fotográfica com motor, o que poucos tinham na época, cinco lentes, uma coisa maravilhosa.
E essa migração da fotografia pra arte?
O que você diz disso? Na verdade, eu não vejo muita diferença. A fotografia pra mim sempre foi arte, a forma que eu a usava é que era diferente. Eu a usava, a princípio, como um instrumento de informação, depois é que eu fui usar ela como um instrumento de expressão artística e cultural. A partir do momento em que eu entendi que a fotografia era mais do que informação e ela poderia ser um elemento de arte, comecei a pesquisar, a estudar e a ver outros fotógrafos, como Carlson - uma referência - e que na verdade é um fotojornalista que faz do fotojornalismo uma arte. Mas, a grande passagem pra mim foi deixar o fotojornalismo diário pra ser um produtor cultural num espaço cultural aqui em Sorocaba.
Lidar com cultura é muito mais gratificante, mas jornalismo também é cultura, é bom deixar bem claro isso...
Sem dúvida! Eu tenho que tomar cuidado porque o jornalismo também é uma outra paixão minha. Acho que a comunicação é uma forma de transformação, da mesma forma que a cultura. A única coisa é que tem que saber dividir, porque tem cultura, tem comunicação e tem jornalismo. A cultura a que eu me refiro é a cultura da transformação.
Mas o que exatamente é cultura pra você?
Cultura pra mim é tudo aquilo que faz parte da formação do ser humano, tudo! É a forma de falar, é a forma de vestir, de comer. Eu tenho comigo que essa concepção de cultura começa a partir do momento em que a gente aprende a respeitar as diferenças, porque tudo é cultural. Então, cultura pra mim é uma coisa muito, muito ampla. Mas isso a gente só aprende no dia-a-dia, no convívio.
E como é essa relação do Estado com a cultura?
O Estado não entende ainda a cultura como um dos elementos principais dentro de uma sociedade. A cultura é a última da lista orçamentária. Parte da culpa disso não está só no poder público. Está também na coletividade, na comunidade. Porque quem faz o poder público são agentes políticos e esses agentes políticos agem da forma com que a comunidade cobra e pressiona, concorda? Vamos falar do poder público municipal. Quando um candidato vai para um bairro, a dona-de-casa vai pedir o ônibus que não corre direito no bairro dela, o posto de saúde que não tem, enfim, é uma lista de reivindicações. E muito raramente você vai ouvir a comunidade cobrando dessas autoridades alguma coisa na área de cultura. Não só um teatro pro bairro, mas questões mais concretas de formação cultural, como um curso de teatro para as crianças. Quando a comunidade não cobra, as pessoas que ocupam cargo público também não têm esse compromisso com a sociedade. Quando a gente faz qualquer crítica neste sentido, não é querer aliviar a questão dos políticos, mas eles são pautados por nós.
Então caberia a sociedade passar a reivindicar mais?
Reivindicar mais, exatamente. Eu vou dar um exemplo pra você no que diz respeito a Sorocaba: a cidade hoje conquistou um espaço para a cultura muito maior porque houve uma reivindicação.
Já que você entrou em Sorocaba, o que explica Votorantim ter dado certo muito antes que Sorocaba? Porque Votorantim, uma cidade essencialmente industrial, de repente explode para o Brasil pela questão cultural. Qual é o segredo?
O segredo foi exatamente isso: querer fazer cultura na cidade. Foi feito um planejamento e a partir daí começamos a criar ações em que as pessoas passaram a ter orgulho da sua própria caipirice. E a gente começou a exportar isso. E a partir do momento em que você exporta uma orquestra de viola da cidade, você está tirando aquilo que no passado era vergonha, como elemento principal, o que era feio lá atrás, hoje é bonito. A nossa orquestra de viola de Votorantim é conhecida no Brasil inteiro. Então foi planejamento, foi querer.
É mais do que dinheiro, então? Você disse que no orçamento não tinha muito pra cultura.
Não, não tinha nada. O orçamento da cultura em Votorantim era a Festa Junina. O dinheiro é importante, mas ele não é tudo. A cultura se faz com pessoas, com gente, com a comunidade. Então, é essa relação que você precisa. Você precisa saber, antes de qualquer coisa, o que a sua comunidade tem de expressão artística e cultural. Outra coisa que é bom a gente deixar claro, é que evento é uma coisa dentro da concepção pública de cultura, e formação cultural, outra. As duas têm a sua importância, o seu valor, o entretenimento é importante, a gente não fica sem ele. Mas acima dele está a formação cultural, a identidade que as pessoas tem com a sua própria cultura. Isso é fundamental. Quando você começa a resgatar isso, a conversar com as pessoas e elas têm história pra contar, isso é cultural também.
Você acha que o que foi feito em Votorantim pode ser um exemplo de política pública para a cultura?
Eu sou até suspeito pra falar, porque a gente está ali e tal. E a gente venceu a luta, uma guerra difícil. Não foi fácil transformar a capital do cimento na capital da cultura. É muito difícil isso. Primeiro foi preciso convencer a comunidade. Porque antes de convencer o próprio governo do qual faço parte - eu sou secretário, mas acima de mim tem um prefeito, o vice-prefeito, o presidente da Câmara - fiz o caminho inverso: fui tentar ter a comunidade como aliada e a estratégia deu certo. Porque não sou eu que cobro mais. Não adianta eu chegar pro prefeito e falar o que é importante e o que não é. É a própria comunidade que vai cobrar. Então, dentro das ações de conquistar essa comunidade a gente foi por outros caminhos. A gente criou um projeto chamado “Memória”, para que as pessoas mais antigas da cidade entendessem que a memória delas é cultura. E que se elas morrem e levam as informações com elas, estão sendo egoístas, pois a cidade é nova, tem 45 anos, e elas viveram a passagem de distrito para cidade. Então, elas teriam que contar isso. Quando você conquista essas pessoas e elas se sentem úteis porque estão socializando com a geração atual a cultura que viveram, elas se sentem bem, se sentem valorizadas. Então, elas é que vão cobrar o prefeito.

Por:Júlio César Gonçalves
Foto: Matheus Mazini