sábado, 22 de agosto de 2009

Boca cheia de Histórias ...




Apresentando histórias para crianças de 0 a 100 anos, José Bocca (Ator e Contador de Histórias) conduz o público a uma viagem lúdica, despertando no espectador parte de sua infância.
Quase todos já tivemos nossos sonos embalados por fadas, bruxas, sapos, princesas e outros seres.
Em um tempo de comunicação instantânea, informatizada, a figura do "Contador" nos convida a visitar nosso passado, quando este era a memória de uma determinada comunidade (Os bardos na Europa/Ásia, Griot, África, etc...).
As histórias apresentadas são dos mais distintos universos, há desde nomes consagrados da literatura (Marina Colasanti, Moacyr Scliar, Regina Machado, Ricardo Azevedo...), como também contos, causos e lendas, que o contador colhe nas suas andanças...

Desde pequeno, a língua dele parecia estar solta do tanto que carecia falar. Era o centro de todas as rodas, das de amigos e da família: alguém dava uma pausa, já vinha o garoto tomando a palavra. Tanto que a mãe dizia que os pecados dele seriam cometidos pela boca. E assim a profecia materna se cumpriu, transformando José Antonio Carlos em Zé Bocca, um contador profissional de causos. 'Sempre falei demais, contava coisa que não devia, soltava comentários fora de hora. Mas é melhor pecar por palavras que por omissão', justifica.

Ao contrário dos famosos contadores de causos do interior brasileiro - figuras que perambulavam entre caboclos, sertanejos e tropeiros, tão presentes nas obras de escritores como Guimarães Rosa e Mário de Andrade , o paulista é cria urbana. Nasceu em Votorantim, a 100 quilômetros da capital, cercado por indústrias de tecidos, papel e cimento. A cidade cresceu ao redor do grupo industrial que lhe empresta o nome, e sua população inicial foi formada basicamente por operários. Os pais de Zé, Helena e Toninho, não fugiram à regra. Ele próprio, como bom filho de peixe, já com 14 anos também enveredou pelo trabalho operário. Mas diz que o menino não gostava muito de sujeira nem do serviço braçal. Dois anos depois, foi para a área de segurança do trabalho e aí, sim, podia pelo menos perambular pela empresa ouvindo e falando com os empregados. Na verdade, mais falando do que ouvindo.

Sou daqueles que querem saber de tudo, o que caía na minha mão eu lia, de literatura de cordel a física quântica. Formava um grupo de discussão, fazia minha inscrição, conta o contador. E nessa história de se envolver com o que aparecia na frente, começou a participar do movimento sindical da fábrica. Foi despedido logo em seguida. Segundo Bocca, os dois anos de desemprego foram duros, mas proveitosos, pois fez bicos em diversos lugares - vendedor de carnê, depois de chocolate, carne.. e assim foi acumulando um bocado de causos por aí, contados principalmente pelas pessoas que vinham da zona rural de Votorantim.

Até então, o dom de artista ainda não havia sido descoberto. Contar causos era só um passatempo entre amigos. O acontecido mesmo deu-se, como Bocca começa muitas de suas prosas, nos idos de 1987 numa praça da cidade vizinha, Sorocaba. Um grupo de teatro, chamado "A Engrenage", estava declamando versos e me perguntou se eu tinha decorado algum poema. Na hora, lembrei da música "Língua" do Caetano Veloso, e comecei a disparar o texto: Gosto de ser e de estar/ E quero me dedicar a criar confusões de prosódias e uma profusão de paródias/ que encurtem dores e furtem cores como camaleões. Depois disso, Zé percebeu que o teatro, as poesias, as histórias iam ao encontro de seu desejo de falar coisas bonitas e ainda divertir as pessoas.
Decidiu então que ganharia a vida como artista-contador, e o apelido de infância virou nome artístico.
Os trabalhos foram aparecendo: de festas infantis, encontros em bares e fábricas às praças de Votorantim e arredores. Desde 2000, a secretaria de cultura da cidade também organiza diversas apresentações de 'contação de história' com ele e outros artistas. Há o projeto Histórias na Calçada, que acontece uma vez por semana em diferentes bairros da cidade, principalmente os rurais, e todo mês há o Viola Causos e Crendices na praça de eventos, em que os moradores são incentivados a contar seus causos. Não sem ganhar antes uma dose da 'marvada' para descontrair.

Assim, desde que assumiu essa profissão, Bocca carrega consigo um gravador para não esquecer nenhuma das pérolas dos moradores da região. Também costuma fazer exercícios de memória para lembrar dos episódios contados pela mãe e pela tia Alice, que sempre encantou a família inteira com as peripécias de Pedro Malasartes, jovem aventureiro do folclore espanhol, português e brasileiro. O tio João Krigher e o primo José Maria da Silva, o Zé do Ponto, escritores e conhecedores de muitas histórias, também são referências importantes no repertório do contador.
Nos episódios caipiras tem sempre o cabra-macho, o caboclo matuto, uma conversa na vendinha, uma história de amor singela, a cura do doente pela bondade das ervas... No causo pode tudo e eu juro que tudo que conto é verdade, afirma Bocca, usando um sotaque do interior, com "r" acentuado, que só aparece, a bem da verdade, na hora de contar. Timidez jura que não sente. Muito pelo contrário, fico à vontade com gente em volta. No bar do Zé das Cabras, no bairro rural do Carafá, por exemplo, nos dias em que o artista aparece, os agricultores e operários da região se juntam numa mesa e começam o ritual. Alguns acendem um cigarrinho de palha e todo mundo desanda a comer mortadela no palito. Mas mantendo-se atentos às histórias que parecem ter ocorrido nas vizinhanças. Como escreve o mineiro Guimarães Rosa na novela Campo Geral, do livro Manuelzão e Miguilim: 'Conta mais, conta mais... E Miguilim, sem carecer esforço, contava estórias compridas, que ninguém nunca tinha sa-bido, não esbarrava de contar, estava tão alegre, nervoso, aquilo para ele era o entendimento maior...

Zé Bocca faz suas apresentações com o músico Marcos Boi .

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